Com certeza um dos temas mais polêmicos no campo de estudos das organizações, as mudanças culturais são capazes de alimentar infindáveis discussões acadêmicas e empíricas.
Freitas (1991:115) expõe de forma clara e sucinta que, apesar da polêmica sobre a possibilidade de se mudar ou não a cultura, há os que acreditam que não só as culturas mudam, como isso pode ser feito de forma planejada.
Para esses adeptos da mudança cultural, no entanto, é consenso...que o processo não é simples, não é barato e não se faz sem provocar alguns traumas como conseqüência. Existe ainda uma concordância implícita a respeito de que a cultura é conectada com outros elementos que sofrerão alterações, tais como estratégia, estrutura, sistemas de recompensas, habilidades, procedimentos etc. Também é reconhecido que não é qualquer mudança de comportamento que implica mudança cultural. (Freitas, 1991:115).
Thévenet (1989, 153) também se pergunta se será possível mudar a cultura, de que natureza serão as mudanças possíveis e em que condições poderão ocorrer e apresenta algumas observações, das quais destacamos:
- Se é possível mudar de cultura ou mudar a cultura é necessário avaliar a dimensão da mudança.Há revoluções na cultura ou simples evoluções? Será necessário esperar pela ameaça da sobrevivência para mudar ou é possível gerir a evolução cultural da empresa? - Se existe mudança de cultura é preciso saber o que muda, porque, como vimos, há diversas noções e metodologias de cultura. Para alguns, a mudança de cultura é modificação de sinais e, para outros, é passar a uma fase posterior do processo de evolução da empresa, mudar normas de funcionamento, alterar lógicas fundamentais, e até mudar o patrão...
É ainda Thévenet quem nos diz:
A cultura é um conjunto de hipóteses fundamentais que estruturam a generalidade dos comportamentos da gestão da empresa; é fruto de uma longa experiênca, resulta de um longo processo de aprendizagem. Seria, por conseguinte, presunção tentar mudá-la ou imprimir-lhe qualquer outra direção. Não se pode dizer que, para lá dos sinais, dos símbolos, dos comportamentos individuais, há lógicas de ação profundamente enraizadas no subconscienteda empresa e, ao mesmo tempo, promover métodos mais ou menos fiáveis de transformação dessa realidade. (1989: 154)
Já Pettigrew (1989: 145-146) afirma categoricamente que é possível, sim, gerenciar a cultura e, em conseqüência, mudá-la, mas atribui uma grande dificuldade à tarefa. Para ele, é mais fácil ajustar as manifestações da cultura do que mudar o núcleo de crenças e pressupostos básicos da organização.
Em outro extremo, Omar Aktouf, ao criticar o que denomina corrente cultura de empresa da teoria da gestão, nos diz que, para os expoentes dessa corrente, as empresas podem ter ou ser uma cultura, que essa cultura pode ser, ou não, eficiente e bem-sucedida, que ela é diagnosticável, reconhecível e, desde que se tomem certas precauções metodológicas, pode ser transformada, manipulada e mudada e até ser inteiramente criada por líderes, campeões, heróis e modelos, que lhe imprimem valores e símbolos.(1994:40). A crítica de Aktouf aponta o cenário de desagregação econômica como um campo fértil para o surgimento e proliferação dessas utopias administrativas.
Aktouf nos diz, ainda, que acreditar na força exclusiva dos gerentes para mudar comportamentos é crer que a cultura possa ser alguma coisa diferente da realidade vivida, espontânea, subjetiva dos indivíduos; que ela possa ser alguma coisa diferente da relaçâo dos indivìduos com suas condições de existência, para ser alguma coisa que possa ser decretada e mudada à vontade (1994:47)
Joanne Martin (1993:168-188), que defende a idéia de que não existiria uma cultura organizacional, mas sim múltiplas culturas, trata a questão da mudança cultural de forma mais analítica. Em seu livro sobre as três perspectivas de análise das culturas nas organizações, ela demonstra que cada uma das perspectivas vê a mudança de uma forma muito particular. Para os adeptos da perspectiva da Integração (em que a organização é vista como consenso, harmonia e transparência de discursos e ações, e onde a ambigüidade é excluída) a mudança estaria centrada nos líderes, que teriam a responsabilidade de responder às pressões do ambiente, mudando o sistema normativo e controlando o processo. Para a perspectiva da Diferenciação (marcada pela ênfase nas subculturas, que abrigariam alguma espécie de consenso interno, e reconhecimento da existência do conflito e da ambigüidade nas relações entre subculturas), a mudança é resultado da ação coletiva provocada por influências organizacionais e do meio ambiente. Já para os pesquisadores que trabalham com o ponto de vista da Fragmentação (que centram o foco na ambigüidade, na multiplicidade de visões, na ausência de consenso, nas relações complexas em que conflito ou harmonia não aparecem com clareza, e que vêm a organização como teia ou rede), há um fluxo contínuo de mudanças, provocadas por um ambiente turbulento e pelo poder difusamente distribuído pela organização.
Tavares (1991:43-44), ao explicar o sucesso das empresas japoneses, aponta como um dos fundamentos da gestão oriental uma cultura que define que a mudança é o estado próprio de ser das coisas, pessoas, processos, lugares, etc. Segundo a autora, isso acaba por estabelecer um binômio indissolúvel de permanência/mutação que leva a uma situação de relativa segurança no constante mudar. Para ela, essa é a característica de uma cultura da mudança, alicerçada certamente nas filosofias do I Ching, Zen Budismo e Taoismo, que se opöe à visão ocidental de mudança de cultura, geralmente marcada por estados emocionais de medo, insegurança, frustração e raiva que naturalmente levam às resistências conscientes e inconscientes.
Deduz-se, daí, que a depender do ponto de vista e até mesmo das motivações ideológicas do pesquisador, as mudanças culturais ora podem ser provocadas pelos gerentes e líderes, ora podem resultar de um processo natural de reacomodação e de adaptação às mudanças ambientais. O fato é que mudança, seja ela estrutural, gerencial ou cultural, é algo extremamente complexo e que só se desencadeia quando os indivíduos envolvidos no processo realmente a percebem como necessária e a querem. É fato, também, que é um processo muitas vezes lento, quase imperceptível, em razão mesmo das resistências muitas vezes impostas pelos envolvidos e, até mesmo, pela necessidade que as pessoas têm de digerir lentamente o desconhecido.
Assim, as relações das culturas com a inovação e o aprendizado passam necessariamente por um processo de comunicação e se opera nos tensos e ricos embates entre a memória e o novo, entre o individual e o coletivo, a lógica e a emoção, o organismo e o ambiente. Daí, a necessidade de se estudar a comunicação como instância da aprendizagem organizacional.
© 1997 Prof. Dr. João José Azevedo Curvello - Ação Comunicativa
Publicada originalmente em: 26/09/97