Neste bloco, veremos como a comunicação organizacional vem sendo analisada e operada, ao longo do tempo, nas organizações. De início, convém conceituar e diferenciar comunicação e informação.
Comunicação é, antes de tudo, interação, diálogo, tornar comum. Não pode ser confundida com a simples transmissão unilateral de informações. Mas, no ambiente das organizações, a dimensão comunicação quase sempre está reduzida a um instrumento de divulgação e de controle.
Em trabalhos anteriores (Curvello, 1993, 1996a, 1996b), referimo-nos ao fato de que, em função das mudanças implementadas nas organizações, ampliou-se nos últimos anos o estudo da comunicação praticada na organização, pois esta se constitui num dos elementos essenciais no processo de criação, transmissão e cristalização do universo simbólico.
Naqueles textos, já identificávamos que a comunicação organizacional passava, de mero instrumento gerencial para transmissão de ordens e informações, a ser vista como estratégica para a construção de um universo simbólico, que, aliado às políticas de administração de recursos humanos, visava aproximar e integrar os públicos aos princípios e objetivos centrais da empresa, apropriando-se em quase todos os momentos, dos elementos constitutivos desse universo (histórias, mitos, heróis, rituais) na construção e veiculação das mensagens pelos canais formais (jornais, boletins, circulares, reuniões), numa permanente relação de troca com o ambiente (Curvello, 1993: 7).
Tradicionalmente, a comunicação organizacional foi sendo definida resumidamente como: aquela que serve para criar, fazer funcionar e manter atuantes as organizações sociais... Em razão disso, pertencem ao âmbito da comunicação organizacional todas as atividades comunicativas de que lançam mão os responsáveis por uma organização para que ela exista e cumpra o seu papel (Almeida, 1981:82).
Detentora de um clássico papel integrador e harmonizador, outra característica da comunicação organizacional foi o fato de ter colaborado para criar o que Etizioni (1980:70) denominou de "quadro irreal de felicidade". A organização era descrita como uma família ideal, onde não havia a luta de poder entre grupos com valores e interesses conflitantes. E mais: os comunicados organizacionais, vendiam a idéia de que a organização era o único espaço em que o indivíduo poderia crescer, a única referência, o único ponto de apoio. (Curvello, 1993, 1996a, 1996b).
Mas apesar da crescente importância atribuída à comunicação, muitas são as barreiras organizacionais a um livre fluxo de idéias e opiniões.
As primeiras grandes barreiras podem ser encontradas nas próprias contradições inerentes ao trabalho. Essas contradições internas, no entender de Aktouf (1996), se produziriam na separação produtor/produto de seu trabalho, na perda do sentido do trabalho (separação trabalhador/ação), no corte com a natureza (o tempo do trabalho subverte o tempo biológico) e na separação trabalhador/proprietário.
Outra variável importante para analisarmos como as empresas lidam com a questão da comunicação é a ideologia gerencial, ou o modo de pensar dominante no ambiente da administração, em que toda questão é avaliada a partir da perspectiva da racionalidade econômica, através da otimização dos meios, com rapidez, em busca da eficácia. Essa racionalidade, aliada às estruturas burocráticas, acaba por impor barreiras ao livre trânsito de informações. Só circulam livremente aquelas informações e aquelas idéias voltadas para a produtividade. Tudo o mais é visto como desperdício (Chanlat e Bedard, 1992:137-143).
A própria língua administrativa, caracterizada pela predominância do modo imperativo e pela normatização, constitui outra barreira. No Brasil, de tradicional cultura bacharelesca, juntam-se a esse pendor autoritário, o rebuscamento e o excesso de preocupação com a forma, em detrimento do conteúdo. A isso podemos agregar a barreira representada pelos jargões especializados ou idioletos que, em sua codificação levada ao extremo, restringem sua interpretação a iniciados.
A estrutura burocrática, a que já nos referimos, e que ainda domina a cena organizacional, é talvez a maior das barreiras, por impor canais e interlocutores, definindo-os previamente a partir da hierarquia funcional.
Outros obstáculos são as culturas organizacionais ancoradas na autoridade e na norma, a que também já nos referimos, e o excesso ou a falta de objetividade. O excesso de objetividade levando a uma reificação da comunicação e a uma redução do processo comunicativo à razão instrumental; e a falta de objetividade levando a uma falsa democracia em que todos falam sem chegar a um entendimento.
Ainda podem ser listadas como barreiras à comunicação a prevalência de algumas idéias preconcebidas acerca da figura do executivo ou administrador, as verdades definitivas, no entender de Aktouf (1996:122-127). A primeira dessas verdades seria a noção de propriedade privada, com base na legitimação da detenção do poder e do exercício da dominação, tratada como um instinto ou algo natural enquanto, na realidade, é fruto das relações sociais e das culturas. A outra verdade diz respeito aos direitos do chefe, como o poder, os privilégios reservados, o direito de usar em primeiro lugar, de dar ordens, de se fazer obedecer, de decidir... (AKTOUF, 1996:124). Outra, estaria associada à ideía de que a busca de produtividade, do prazer máximo e do ganho sistemático seriam também qualidades naturais à espécie humana. Essas visões justificam muito da postura autoritária encontrada em administradores, que acreditam piamente terem sido naturalmente escolhidos para os altos postos da hierarquia.
Além desses obstáculos listados e comentados, é preciso concordar com Omar Aktouf quando nos diz que a comunicação organizacional, tal como é conduzida, teorizada e tradicionalmente ensinada, visa muito mais o controle e a dominação das situações e dos empregados do que "colocar em comum"(Aktouf, 1996:136).
Um exemplo de como essa busca do controle e da manipulação via comunicação pode causar estragos à vida das organizações e das pessoas que as compõem é o duplo contrangimento (que consiste em receber uma mensagem e seu contrário, uma solicitação e seu inverso, sem a possibilidade de executá-las). Ele pode ser traduzido na implementação de programas de qualidade total e de vida, paralelamente à introdução de conceitos como o de empregabilidade. Ou seja, a busca de comprometimento e integração, ao mesmo tempo em se deixa claro que não há garantias de emprego e de estabilidade.
Ao chegarmos nesse ponto, perguntamos: como pode a comunicação, com todos esses problemas, barreiras e desvios, contribuir para um processo de aprendizagem e de qualificação organizacional e pessoal. É possível superar esses problemas? Sinceramente, não possuímos ainda as informações necessárias para responder essa pergunta com segurança. Mas algumas respostas podem estar sendo construídas a partir das mudanças que se operam no campo da comunicação organizacional, como veremos a seguir.
© 1997 Prof. Dr. João José Azevedo Curvello - Ação Comunicativa
Publicada originalmente em: 26/09/97