Rupturas paradigmáticas desafiam pesquisa, criação e inovação

João J. A. Curvello | Reflexões | domingo, fevereiro 20th, 2011

mundo deconstruction 2Há quase dois anos, ao abrirmos os trabalhos de um projeto de pesquisa sobre as rupturas provocadas pela convergência digital na comunicação, nas organizações e na sociedade, lançamos o manifesto Nada Será Como Antes (veja aqui).

Esse manifesto se originou da constatação de que, na sociedade, os sinais de ruptura já são observados nas instituições, nos sujeitos, na sociabilidade, nas reconfigurações culturais, nas relações entre gerações, no sistema produtivo, no conhecimento, nas relações de poder. Em todas as dimensões da vida em sociedade, há rupturas que reforçam a necessidade de aportar novos mapas que permitam aos sujeitos navegar e responder às demandas e oportunidades desse mundo em fluxo e em transformação.

No campo das organizações, a convergência digital provoca já há alguns anos redefinições e flexibilização de objetivos, fluxos e processos. Aponta para uma relação sem vínculos, sem estabilidade, em que a tecnologia permite concentrar poder sem centralizar e induz à permanente reinvenção.

Diante desse quadro, a concepção dinâmica dos sistemas e a oportunidade de abordá-los desde os paradigmas da complexidade aparecem como o caminho mais viável para pensar a comunicação organizacional como uma matriz relacional e participativa, concebida como lugar de encontro e de geração conjunta de significações, espaços e símbolos compartilhados.

Para compreender os processos de mudança nas organizações

João J. A. Curvello | Reflexões | domingo, fevereiro 13th, 2011

Mudanca3Entre os grandes desafios impostos aos gestores da comunicação organizacional está o da implantação de mudanças internas. Todos os que já passaram pela experiência de conduzir processos de mudança, certamente enfrentaram resistências e posições arraigadas que se transformaram, em alguns casos, em obstáculos quase intransponíveis. Por vezes, esses processos pareciam sair do controle dos gestores (e são mesmo muitas vezes incontroláveis desde fora).

Neste post, revisito alguns conceitos e visões que tentam explicar como se processa a mudança e como surgem, se fortalecem e se desfazem as resistências culturais internas e externas a esses processos.

Em trabalho anterior (CURVELLO, 2002: 26-32), já influenciados por Luhmann, quando descreve o processo de redução de complexidade, afirmávamos que:

“…mudança, seja ela estrutural, gerencial ou cultural, é algo extremamente complexo, e que só se desencadeia quando os indivíduos envolvidos no processo realmente a percebem como necessária e a querem. É fato, também, que é um processo muitas vezes lento, quase imperceptível, em razão mesmo das resistências muitas vezes impostas pelos envolvidos e, até mesmo, pela necessidade que as pessoas têm de digerir lentamente o desconhecido”. (2002:31)

Nesse sentido, vale revisitar o trabalho do professor chileno Darío Rodríguez Mansilla (2002: 217), que nos lista uma série de fatores que provocariam a resistência à mudança:

a. Da necessidade de segurança, que segundo Maslow pode se traduzir numa preferência pelo conhecido antes do desconhecido;
b. De interesses particulares que podem se ver ameaçados;
c. Da falta de visão e clareza a respeito dos eventuais benefícios da mudança;
d. Da inércia, que torna preferível manter um mesmo ritmo antes de realizar um esforço adicional;
e. De interpretações contraditórias a respeito da mudança, seus alcances, objetivos, etc.;
f. Da falta de recursos, que pode tornar difícil – ou impossível – a manutenção de uma inovação;
g. De inveja ou mal-relacionamento interno, que faz com que pessoas e departamentos de uma organização se oponham a inovações provenientes de outras pessoas ou departamentos;
h. Da dificuldade de discordar, de atrever-se a ser diferente. Os grupos exercem um forte controle social que busca a mediocridade. É perigoso – e muito arriscado – destacar-se por qualquer razão. Esta é uma censura muito eficaz contra toda semente de mudança ou inovação.

O mesmo autor também nos mostra que toda mudança cultural e organizacional só pode ser efetivada a partir da própria cultura. Se não, todo processo de mudança só terá efeitos de curto prazo e redundará em fracasso. Isso ocorre porque muitas vezes a mudança só aparece no nível do discurso verbal. Organizações burocráticas, por exemplo, têm uma grande capacidade de assumir a mudança no discurso, até mesmo incorporando todo o novo repertório linguístico, mas sem que isso acabe sendo incorporado no dia-a-dia da organização.

No entanto, ao adotarmos o conceito luhmaniano de organização como sistema autopoietico de comunicações e decisões, determinado estruturalmente em torno de sua identidade, e que se encontra numa relação permanente de acoplamento estrutural com seu ambiente (interno e externo), também entendemos que a mudança é algo permanente. Nesse processo as organizações e os indivíduos, como sistemas que são, toda vez que mudam, o fazem de forma absolutamente congruente com as mudanças de seu ambiente, sem que ocorra uma perda na adaptação. Como diz Rodríguez (2002:221), “um sistema desadaptado deixa de ser sistema, extingue-se”. Traduzindo, é preciso perceber que as organizações estão constantemente mudando a partir das relações com o ambiente. As mudanças do ambiente provocam mudanças na organização. E são mudanças muitas vezes imperceptíveis que vão ganhando corpo até que emergem como uma mudança qualitativamente diferenciada.

Numa forma de explicar esse processo emergente, Rodríguez (2002: 231) afirma que:

“…um sistema autopoiético não pode ser mudado sem que se considere sua determinação estrutural. Toda mudança organizacional é uma mudança de estado determinada estruturalmente. Isso quer dizer que é necessário perturbar o sistema para dar início às mudanças de estado desejadas. Estas são mudanças no sentido da organização, isto é, naquilo que define os limites da organização. Toda mudança efetiva (…) é uma mudança de regras e, ao mesmo tempo, uma mudança atitudinal: a organização se produz na coordenação da dupla contingência – regras e comportamento – de tal modo que a mudança implica um reordenamento desta dupla contingência organizacional. Se isso não ocorre, o sistema buscará sua própria ordem, com conseqüências que não podem ser previstas.”

Diante da imprevisibilidade inerente a esses processos de adaptação e de reconstrução, uma gestão eficaz da comunicação interna não pode abdicar do seu papel de construtora de sentido à vida organizacional, além de buscar compreender as dinâmicas próprias das permanentes mudanças ambientais e estruturais, dos jogos de poder, de confronto e de cooperação. Somente dessa forma poderá conduzir os discursos e as práticas ao encontro do equilíbrio entre as necessidades da organização e as de seus principais públicos, além de mobilizar todos os segmentos organizacionais para uma cultura de diálogo, inovação e participação.

Referências:

CURVELLO, João José Azevedo Curvello – Comunicação Interna e Cultura Organizacional. São Paulo: Scortecci, 2002.

RODRÍGUEZ MANSILLA, Darío – Gestión Organizacional. Santiago, Ed. Universidad Católica de Chile, 2002