Planejamento e gestão da comunicação na era das mídias sociais

João J. A. Curvello | Comunicação Organizacional,Reflexões,Teorias | sexta-feira, janeiro 15th, 2016


O recurso ao planejamento é a resposta da área de gestão diante da complexidade e da incerteza de cenários sabidamente mutáveis. Com a recomendação de que todo plano deve se alinhar à estratégia, a lógica do planejamento migrou também para o contexto da comunicação organizacional, a partir da ação de gestores preferencialmente com visão sistêmica, política e processual. Autores como Margarida Kunsch, Rafael Pérez e Thierry Libaert preceituam que as organizações só conseguirão se posicionar e se efetivar nos mercados e/ou espaços em que atuam mediante a aplicação e condução das várias fases do planejamento: pesquisa e análise de cenários externos e internos; briefing; diagnóstico; identificação de riscos e oportunidades, forças e fraquezas; eleição de objetivos; priorização de públicos, objetivos, metas e ações; implantação; controle; avaliação de resultados. Todas etapas essenciais para minimizar a improbabilidade da comunicação.

No entanto, a lógica que orienta o planejamento sempre esteve mais apropriada a contextos previsíveis, desde uma perspectiva linear e sequencial. Acontece que esses cenários se complexificam exponencialmente, sobretudo com o incremento das tecnologias da informação e da comunicação, responsáveis pelo Manuel Castells denomina de capitalismo informacional. Dentre essas tecnologias, uma em particular representou uma mudança radical ao permitir o empoderamento de clientes, fornecedores, funcionários, cidadãos. Trata-se da denominada “mídia social” que, embalada na chamada Web 2.0, viabilizou a aproximação e a agregação de pessoas, de forma a tornar visíveis redes sociais antes restritas pelos limites de tempo e espaço. Redes que se conectam a outras redes e que fazem da informação uma espécie de “commodity” pública, por permitir acesso, distribuição, compartilhamento, alcance multiplicado e aceleração do tempo de respostas. Nas redes, aqui percebidas como conexão de atores humanos e não-humanos, tal como preconizam Michel Callon e Bruno Latour, a lógica e a dinâmica é a dos relacionamentos, mais do que a disseminação de informação de forma controlada e livre de ruídos, o que provocou uma espécie de descentramento das organizações. Esse descentramento obriga as organizações a se rearticularem e reprogramarem para atender as demandas sociais por transparência, responsabilidade e sustentabilidade.

Uma das consequências é que, hoje, as organizações montam estruturas de inteligência competitiva para monitorar falas, movimentos, imagem e reputação. Com o uso de técnicas como “mediawatching”, monitoramento e gestão de redes sociais, gestão de “big data”, aperfeiçoam seus sistemas de diagnóstico. Esse processo se revela essencial para que as organizações tenham condições de atuar simbólica e concretamente nas diversas e múltiplas esferas públicas que se expressam nas diferentes mídias e que se constituem, muitas vezes, à revelia das instituições (vide o estudo de Elizabeth Breese sobre as ações de grupos e associações ligadas à causa homossexual, por exemplo).

Esses movimentos têm levado as organizações a investirem menos nos planos e mais na administração estratégica, um sistema de ação que permite adaptar planos, objetivos e ações às contingências ambientais. Os modelos tradicionais migram para formas mais dinâmicas, tal qual organizações efêmeras que montam e desmontam estruturas por demandas e tarefas. Equipes multidisciplinares com competências e habilidades complementares, passam a constituir a característica da maior parte das organizações. O que se busca é a superação das barreiras do entendimento, do acesso e da aceitação para a ação, próprias da improbabilidade da comunicação, como exposto por Niklas Luhmann. Porque mesmo que as mídias sociais se constituam potencialmente em articuladoras de diálogo e participação, o que se vê empiricamente é o fechamento operacional em torno de círculos de amizade e de reforço de laços, que leva à alta densidade de comunicação na rede, mas pouca articulação com outras redes exógenas, porque impera a autorreferencialidade.

Para enfrentar esse desafio, modelos de planejamento e de ação têm sido aplicados em algumas organizações, como o da “pirâmide da qualidade”, de Ed Robertson e divulgado por Shel Holtz. Esse modelo orienta que os planos devem partir do atendimento a critérios logísticos (que permitiria superar a barreira do acesso), de atenção e de pertinência (que visaria construir sentidos compartilhados que facilitassem o entendimento) e de efetividade (que almejaria a decisão, a mudança comportamental, a ação e o reconhecimento). Como complemento, a adoção da chamada “régua da efetividade” de Walter K. Lindemann completaria o ciclo por meio da avaliação permanente de produção, distribuição, acesso, circulação, coerência entre discurso verbalizado e discursos e sentidos emanados da ação, imagem e reputação, mas sobretudo do resultado nos níveis comportamental e atitudinal.

Essas são algumas das possíveis consequências da complexificação trazida pelas TIC e mídias sociais, sobretudo porque afetam práticas e saberes enraizados e levam as organizações e seus gestores para uma arena discursiva em que todos disputam sentidos, visibilidade, aceitação, boa imagem e reputação.

Conhecer para superar: barreiras à comunicação nas organizações

João J. A. Curvello | Comunicação Organizacional,Reflexões | domingo, janeiro 10th, 2016

barreirasAssim como Niklas Luhmann (2006), autores como Omar Aktouf (1996) vêem a comunicação como improvável diante da persistência de muitas barreiras organizacionais ao acesso à informação, a um livre fluxo de idéias e opiniões, ao entendimento e à ação.

As primeiras grandes barreiras podem ser encontradas nas próprias contradições inerentes ao trabalho. Essas contradições internas, no entender de Aktouf, se produziriam na separação produtor/produto de seu trabalho, na perda do sentido do trabalho (separação trabalhador/ação), no corte com a natureza (o tempo do trabalho subverte o tempo biológico) e na separação trabalhador/proprietário.

Outra variável importante para analisarmos como as empresas lidam com a questão da comunicação é a ideologia gerencial, ou o modo de pensar dominante no ambiente da administração, em que toda questão é avaliada a partir da perspectiva da racionalidade econômica.

A própria linguagem administrativa, caracterizada pela predominância do modo imperativo e pela normatização, constitui outra barreira. No Brasil, de tradicional cultura bacharelesca, juntam-se a esse pendor autoritário o rebuscamento e o excesso de preocupação com a forma, em detrimento do conteúdo. A isso podemos agregar a barreira representada pelos jargões especializados ou idioletos, que, em sua codificação levada ao extremo, restringem a interpretação das mensagens a iniciados.

A estrutura burocrática, a que já nos referimos, e que ainda domina a cena organizacional, é talvez a maior das barreiras, por impor canais e interlocutores, definindo-os previamente a partir da hierarquia funcional.

Outros obstáculos são as culturas organizacionais ancoradas na autoridade e na norma, e o excesso ou a falta de objetividade. O excesso de objetividade gera a reificação da comunicação e uma redução do processo comunicativo a uma razão instrumental; e a falta de objetividade acarreta uma falsa democracia em que todos falam sem chegar a um entendimento.

Ainda podem ser listadas como barreiras à comunicação a prevalência de algumas idéias preconcebidas sobre a figura do executivo ou administrador – as verdades definitivas, na concepção de Aktouf . A primeira dessas verdades seria a noção de propriedade privada, com base na legitimação da detenção do poder e do exercício da dominação, tratada como um instinto ou algo natural, enquanto, na realidade, é fruto das relações sociais e das culturas. A outra verdade diz respeito aos direitos do chefe, como o “poder, os privilégios reservados, o direito de usar em primeiro lugar, de dar ordens, de se fazer obedecer, de decidir…” . Outra, estaria associada à idéia de que a busca de produtividade, do prazer máximo e do ganho sistemático seriam também qualidades naturais da espécie humana. Essas visões justificam muito da postura autoritária encontrada em administradores, que acreditam piamente terem sido naturalmente escolhidos para os altos postos da hierarquia.

Além desses obstáculos listados e comentados, é preciso concordar com Omar Aktouf quando nos diz que “a comunicação organizacional, tal como é conduzida, teorizada e tradicionalmente ensinada, visa muito mais ao controle e à dominação das situações e dos empregados do que colocar em comum” .

Um exemplo de como essa busca do controle e da manipulação via comunicação pode causar estragos à vida das organizações e das pessoas que as compõem é o duplo constrangimento ou duplo vínculo (que consiste em receber uma mensagem e seu contrário, uma solicitação e seu inverso, sem a possibilidade de executá-las). Ele pode ser traduzido na implementação de programas de incentivo e de qualidade de vida, paralelamente à introdução de conceitos, como o de empregabilidade. Ou seja, a busca de comprometimento e integração, ao mesmo tempo em se deixa claro que não há garantias de emprego e de estabilidade.

Referências:

AKTOUF, Omar – A administração entre a tradição e a renovação. São Paulo. Atlas, 1996.
LUHMANN, Niklas – A improbabilidade da Comunicação. 4ª. Edição. Lisboa: Vega Editora, 2006.