Afinal, o que é autopoiese?
Este texto de minha autoria foi publicado originalmente como verbete no Dicionário da Comunicação, organizado por Ciro Marcondes Filho (Ed. Paulus, 2009, p. 35).
(s.f.) # Etim. do grego autós: próprio + poiein: fazer, ou o substantivo poiésis: autofazer-se, autoconstrução, auto–engendramento. # Biologia: os seres vivos seriam sistemas autopoiéticos porque reproduzem todas as unidades elementares de que se compõem, e com isso delimitam as fronteiras e estabelecem distinções com o ambiente. # Sociologia: os sistemas sociais são sistemas autopoiéticos de comunicação, que se autoconstroem e se diferenciam pela comunicação e só pela comunicação podem ser observados e compreendidos.
O conceito de autopoiese foi originalmente desenvolvido pelos pesquisadores chilenos Humberto Maturana (1928-) e Francisco Varela (1946-2001), e aparece pela primeira vez em 1972, no ensaio De Máquinas y Seres Vivos. Em síntese, a autopoiese surge como uma propriedade dos sistemas de se produzirem continuamente a si mesmos, num processo autorreferente que faz com que todo sistema, vivo, psíquico ou social seja ao mesmo tempo produtor e produto, autônomo e dependente. Os autores chilenos identificam essa propriedade como capacidade de forjar identidade. Os sistemas vivos passam a ser descritos então como sistemas fechados operacionalmente na sua autorreferencialidade, orientados para a manutenção de sua identidade.
Niklas Luhmann (A sociedade da sociedade) apropria-se dessa definição para ampliá-la aos sistemas sociais ao vislumbrar no conceito de autopoiese a chave para explicar a autorreferencialidade dos sistemas sociais. E descreve o processo de autopoiese como algo que pode ocorrer de três diferentes maneiras: autopoiese dos sistemas vivos (vida e sistemas vitais), autopoiese dos sistemas psíquicos (que se traduz via consciência) e autopoiese dos sistemas sociais (que se opera via comunicação).
Esses grandes sistemas se diferenciam em relação ao ambiente e constroem seu modo próprio de atuação, bem como suas leis de investigação. Com isso, constituem-se em sistemas fechados operacionalmente, mediante processos de redução da complexidade do ambiente ao qual estão acoplados, processando informação e realizando seleções que lhes são típicas. Só se mesclam mediante interpenetração.
Em resumo, a autopoiese é uma operação cognitiva construída social e comunicativamente. Com o conceito, é possível perceber cada sistema com um organismo, vivo, dinâmico, ativo, que faz constantes seleções para manter a identidade e estabelecer fronteiras e diferenças com o ambiente, mediante diálogos e enunciações nos sistemas e entre os sistemas. Dessa forma, o conceito pode contribuir para a compreensão dos processos comunicativos de construção de sentido e de identidade, de construção e de reconstrução das estruturas sociais, de definição e redefinição dos meios de comunicação, não só nos sistemas vivos e psíquicos, mas também nos sistemas sociais e organizacionais.
Fontes:
LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. México: Herder, 2007.
MATURANA, Humberto e VARELA, Francisco: De máquinas e seres vivos: Autopoiese – a organização do vivo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.