O texto a seguir é um trecho do artigo A perspectiva sistêmico-comunicacional das organizações e sua importância para os estudos da Comunicação Organizacional, de minha autoria, publicado originalmente no livro Comunicação Organizacional Volume I, organizado por Margarida Kunsch (São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 91 a 106).
A Teoria dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann impacta os estudos organizacionais e as análises sobre os processos comunicacionais desde o momento em que muda o eixo de análise do Todo e das partes, da oposição sujeito/objeto, para a diferenciação entre sistema e ambiente. Segundo, quando muda o foco da ação para a comunicação. Para Luhmann, a comunicação é a grande instância que traz em sua composição também a ação (no sentido desenvolvido desde Max Weber). Luhmann também conserva o conceito de sentido, que adquire uma posição central na sua teoria, pois se mostra necessário no processo de fechamento operacional dos sistemas cognitivos e é um produto das operações envolvidas nesse processo. Para o autor, os sistemas sociais são sistemas constituintes e constituídos por sentido. Esses limites de sentido estabelecem um gradiente de complexidade entre sistema e entorno. (RODRIGUEZ, in LUHMANN, 2007, p. xi)
Outro impacto provocado sobre os estudos organizacionais e comunicacionais vem da tese da improbabilidade da comunicação, que se opõe à percepção disseminada desde a Escola de Palo Alto, segundo a qual a comunicação seria inevitável. Com a tese da improbabilidade, Luhmann reconhece os obstáculos que se impõem à comunicação, como a necessidade de acesso, de entendimento e de aceitação daquilo que está sendo compartilhado. Com essa tese, supera-se a visão simplista da transmissão controlada de informações, e nos impõe perguntas como o que aconteceria em outros contextos, em outras circunstâncias, em outros jogos e acordos.
Outra contribuição de Luhmann para superar os limites da análise da comunicação organizacional, por exemplo, surge da oposição entre sua construção teórica e a de Parsons e até mesmo dos teóricos do conflito. Para o autor, a função não pode ser percebida como algo conservador, que não pode ser mudado, porque poderia colocar em risco o próprio sistema, mas como algo que torna possível a observação e a diferenciação e a autopoiese do sistema. Para Luhmann, os sistemas sociais se encontram em processo permanente de mudança. Na relação com o ambiente e com outros sistemas não existe equilíbrio, mas antes de tudo complexidade. Outra novidade trazida por Luhmann, e principal razão de sua clássica polêmica com Habermas, vem da sua visão de que há maior probabilidade de se ter conflito do que consenso nas relações sociais e que a autopoiese do sistema se opera tanto nas bases do conflito quanto do consenso.
Outra questão provocadora para os estudos organizacionais seria a própria definição de organizações como sistemas sociais de tipo particular e único, diferenciados da sociedade. Desse ângulo, resulta impossível pensar que as relações que se estabelecem sejam as de um subsistema em submissão a um sistema global, pois a racionalidade de ambos os sistemas é distinta. Da mesma forma, será distinta a racionalidade entre organizações e demais sistemas também denominados públicos.
A Teoria dos Sistemas Sociais também amplia as possibilidades de compreender teoricamente os processos cognitivos no interior das organizações. Nesse contexto, por exemplo, o aprendizado organizacional e a construção de conhecimento se dariam sobre bases dialógicas, negociadas, considerando tanto a autonomia criativa do sistema organizacional como a dos indivíduos.
Partimos do pressuposto de que as conversações (e mesmo os embates) entre os indivíduos e entre esses e as organizações, antes de representarem perigo e dispêndio de tempo e de recursos, entre outros adjetivos comumente usados por administradores, são sim, instâncias de aprendizagem. São nesses momentos de conversação, que geralmente ocorrem nos corredores ou nos espaços de lazer, como as lanchonetes, que os trabalhadores discutem assuntos relacionados ao trabalho, trocam experiências e aconselham-se mutuamente. Enfrentam os imprevistos e repartem as soluções. Em resumo, interagem. E, por fim, aprendem. Muito mais do que em treinamentos formais, deslocados do ambiente e da cultura do trabalho, uma vez que o conhecimento não pode ser percebido como um estoque de conteúdos a serem preservados, mas como uma competência, uma ação ao mesmo tempo pessoal e engajada em projeto coletivo.
A opção pela abordagem sistêmica se dá em razão da possibilidade de compreender, sob uma lógica processual, a autoconstrução do conhecimento, do sentido e da identidade, em ambientes marcados pela complexidade, pela diferenciação e pelos jogos de poder.
Com nos diz Stockinger (1997, p.7):
Tal criação se dá através de processos de comunicação nos quais ocorrem cruzamentos, misturas e novas conexões de sentido. Isso não quer dizer, no entanto, que cada ato comunicativo cria um sentido novo. A comunicação aparece normalmente como algo repetitivo, redundante e muitas vezes prolixo. Mas, nestes seqüenciamentos repetitivos, desvios se tornam inevitáveis, já que a comunicação ocorre num ambiente incerto, complexo, sujeito a flutuações das mais variadas.
Essas diferenças e novas distinções que certamente aparecem no sistema social são efetivadas provocadas por elementos no ambiente do sistema, essencialmente por humanos que constantemente “irritam“ a comunicação com as mais variadas contribuições criativas.
Por fim, epistemologicamente, o paradigma sistêmico-comunicacional supera a visão mecanicista, reducionista, que trabalha com a simples oposição entre estruturalismo/processualismo, dominação/conflito, afirmação/crítica, por exemplo, e a substitui pelo pensamento sistêmico e complexo, que amplia, em muito, as opções de análise no campo da comunicação organizacional e contribui para libertar o campo da comunicação organizacional de seu caráter meramente utilitário e instrumental.
REFERÊNCIAS:
LUHMANN, Niklas – La sociedad de la sociedad. México: Herder, 2007.
STOCKINGER, Godfried. Sistemas Sociais – A teoria sociológica de Niklas Luhmann. In. PreTextos. Salvador, COMPÓS, [s.p.] 1997.