“(…) ´Se eu fosse o condutor do mundo, a primeira coisa que faria seria fixar o sentido das palavras, porque ação segue definição” (Confúcio)
Os modelos de gestão implantados nas últimas décadas do século XX nos deixaram como herança novas nomenclaturas para os empregados e para as equipes.
Termos como colaborador e parceiro e a denominação de equipes ou times como núcleos familiares podem ser analisados como mais uma tentativa de ocultação das tensões inerentes às relações de trabalho. Com os eufemismos, os conflitos voltariam a ser mascarados, agora sob o manto de relações mais igualitárias, participativas, suaves, lúdicas e afetivas.
Recentemente, uma grande universidade brasileira passou a adotar a denominação de colaborador para designar seus funcionários. De início, segundo relatos, entendeu-se que a nova denominação se referia apenas aos administrativos. Mas logo se viu que se referiam a todos, uma vez que os gestores de RH queixavam-se constantemente de que as chamadas aos colaboradores não eram respondidas pelos docentes. Acontece que docente colaborador é uma denominação corrente no meio acadêmico, principalmente nos programas de pós-graduação, e se refere àquele docente que participa dos trabalhos de ensino, pesquisa e extensão, porém sem o vínculo e a expectativa de produção esperada dos docentes permanentes. Ou seja, para os docentes, talvez por senso crítico, talvez por premonição, não fazia o mínimo sentido serem chamados de colaboradores, quando se viam e se reconheciam, sobretudo, como professores e educadores.
Em um de seus últimos livros (Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Editora Olho D’Água, 1993), o pedagogo Paulo Freire faz um paralelo com a perversa substituição, principalmente no ensino fundamental, do termo “professora” pela denominação “tia”. Para Freire, essa denominação de “tia”, identificada também como alguém que faz parte da família e, portanto, não presta um serviço profissional, acaba por justificar a desvalorização e a conseqüente baixa remuneração da categoria docente.
Os profissionais da área de gestão defendem a adoção do novo termo por representar “trabalhar junto”. No entanto, no senso comum e de forma bastante arraigada na cultura brasileira, “colaborar” é também “ajudar”, é trabalhar sem interesse de remuneração, é ser voluntário, é “doar”.
Por isso, acredito que o uso de expressões ditas “superadas” como empregado, funcionário, profissional ou mesmo trabalhador, embora mais duras e pouco empáticas, resultam menos perversas, uma vez que expõem com clareza que as relações de trabalho são mesmo contratuais. Pensar assim, é reconhecer que os trabalhadores são dotados de autonomia e são bastante inteligentes para discernir uma conversa baseada na honestidade daquelas recheadas de segundas intenções persuasivas.